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21/04/2021     nenhum comentário

TERCEIRIZAÇÃO: 102 MORTES EM UM MÊS RETRATAM O COLAPSO DA UPA ADMINISTRADA PELO EINSTEIN

Na capital paulista a ineficiência, a omissão e a irresponsabilidade do modelo de gestão por OSs marcam de forma literalmente mortal o cotidiano das pessoas que dependem do SUS durante a crise sanitária

upacpolimpo

Reportagem do site UOL mostra o quanto a terceirização dos serviços de Saúde para organizações sociais (OSs), mesmo as ligadas a renomados hospitais particulares, é ainda mais perversa em tempos de pandemia.

As empresas que tomam conta da gestão destas unidades recebem aportes milionários para funcionarem com maior capacidade em função do aumento da demanda, mas não colocam leitos e profissionais em número suficiente. Um arremedo dos governos adeptos da terceirização e privatização que tem custado muitas vidas.

Na maior cidade do Brasil – São Paulo – ineficiência, omissão e irresponsabilidade do governo PSDB marcam de forma literalmente mortal o cotidiano das pessoas que dependem do SUS. Levam à exaustão profissionais de saúde, inclusive os terceirizados e quarteirizados, que sofrem com vínculos de trabalho precários.

Abaixo reproduzimos a matéria, publicada pelo jornalista Wanderley Preite Sobrinho, no último dia 17. Vale a pena a leitura.

102 mortos em março: o colapso de uma UPA administrada pelo Einstein em SP

Foi ao lado de dez pacientes espremidos em uma sala pequena, sem ventilação e água, que dona Aureny de Almeida dos Santos, 57, viu um homem da sua idade morrer a seu lado. Era o primeiro de outros tantos óbitos que ela afirma ter visto ao longo daquele sábado enquanto suportava, sem leito, as dores e calafrios provocados pelos sintomas da covid-19. Aquela era a quarta vez que dona Aureny tentava ser atendida na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Campo Limpo, zona sul de São Paulo, administrada pela OS (Organização Social) Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein e eleita pela prefeitura referência para tratar covid-19 na região.

O cenário retrata a crise no sistema de saúde de diversas partes do país, agravada por causa da pandemia do novo coronavírus. Na UPA Campo Limpo, 102 pessoas morreram apenas em março esperando por um leito, segundo uma fonte que trabalha na UPA e que pediu para não ser identificada.

Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde disse que “a taxa de mortalidade para pacientes com covid-19 internados na UPA Campo Limpo é de cerca de 3%”.

Após a publicação desta reportagem, neste sábado (18), a assessoria de
imprensa do Einstein enviou nova nota afirmando que “essas pessoas
aguardavam por transferência para leitos hospitalares e, enquanto aguardavam, receberam na UPA atendimento que dispôs de todos os recursos necessários”.

Cenário crítico no pior momento da pandemia
O mês de março registrou recordes negativos da pandemia em quase todo o país. Nas palavras do governador de São Paulo (PSDB), no mês passado, o estado passou por uma “situação bastante dramática”, assim como a capital. A taxa de ocupação de UTIs para covid nos hospitais paulistas ficou acima de 90% durante três semanas, até o começo de abril.

De acordo com o boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo, 1.213 pacientes com covid-19 estavam internados em UTIs de hospitais municipais e contratualizados no dia 15 de abril, com taxa média de ocupação de 86%.

A UPA foi construída com 39 leitos. Para tratar doentes com covid-19, sua capacidade foi aumentada para 87 vagas, insuficientes para os 130 doentes que chegaram a ser atendidos em um único dia. Trinta desses leitos são equipados com ventiladores, monitores para atender “adequadamente pacientes em situações críticas e semicríticas”, afirma a secretaria. Na última terça-feira (13), a UPA cuidava de 51 pacientes.

A assessoria do Einstein afirmou que “em nenhum momento” houve ocupação de 100% destes 30 leitos por pacientes em estado crítico. “O número máximo de ocupação por pacientes nessas condições foi de 22, ou cerca de 73% da capacidade, o que demonstra que, apesar de lidar com uma demanda aumentada, a unidade contou com a estrutura adequada para o atendimento desses pacientes”.

Para absorver a demanda, a OS contratou 108 profissionais de saúde, aumento “de 24%, totalizando 558 colaboradores”, segundo a prefeitura. Criadas em 1998, as organizações sociais são entidades civis sem fins lucrativos contratadas pela União, estados e municípios para administrar em seu lugar serviços públicos, como assistência à saúde.

Apesar das contratações na UPA, o número é considerado insuficiente por enfermeiros e médicos, que em alguns casos dobram plantões.

Exaustos, há relatos de afastamentos por covid-19 e por abalo psicológico, uma taxa que “não ultrapassou 1% desde o início da pandemia”, garante a secretaria.

No começo do mês, uma enfermeira desmaiou no corredor da UPA porque trabalhou três dias seguidos. “Ela foi para casa, ficou 24 horas descansando e voltou ao combate”, diz um funcionário do local.

Do lado de fora, a angústia era de seu filho, o gerente de restaurante Fabio Almeida dos Santos, 39, que chegou à UPA com dona Aureny na madrugada do sábado, 20 de março. Aguardou por notícias até as 6h da manhã, quando a recepcionista pediu que ele voltasse outra hora.

Sem maca, dona Aureny precisou deitar em cadeiras antes de ser levada para uma “sala pequena e abafada com dez infectados” na UPA Campo Limpo

“Vi de tudo enquanto fiquei na UPA. Um senhor ouviu um ‘não’ quando pediu água. Fiz oração a Deus para me tirar de lá porque estava com muito medo”, diz  a cabeleireira Aureny.

“Naquela madrugada, vi quatro famílias chorando a morte de alguém. Voltei às 16h, quando me disseram que ela seria internada, mas continuei sem saber detalhes sobre seu estado de saúde”, conta Fabio.

Apesar da insistência, ele ficou dois dias sem receber qualquer informação sobre a mãe. Estarrecido, soube apenas na segunda-feira que ela havia sido transferida para o Hospital Municipal Guarapiranga, também na zona sul, onde ficou internada por 12 dias.
“Deus escutou minhas orações porque no sábado eu fui retirada daquela UPA”, diz Aureny.

Dona Eurides Maria, 61, não teve a mesma sorte. Após sentir falta ar no dia 15 de março, ela procurou a UPA Macedônia, zona sul. No dia seguinte, o posto comunicou à família que dona Eurides seria transferida para uma unidade de referência, mas não revelou que o destino era a UPA Campo Limpo.

“Só no dia 20 descobrimos que ela não estava na UTI [Unidade de Terapia Intensiva], e sim intubada na UPA aguardando vaga em hospital”, conta a auxiliar de classe Ariane Carvalho Alves, 33, que por chamada de vídeo viu a mãe já intubada. “Foi a última vez que falamos com ela. Por dois dias ficamos sem informações, mesmo ligando e indo até lá”, diz Ariane.

O protocolo é outro: a família deve receber informações diárias sobre o estado de saúde do paciente por vídeo chamada ou mensagem no WhatsApp após as 18h, “prezando sempre pela humanização”, diz a secretaria.

Mesmo intubada na UPA Campo Limpo, dona Eurides Maria, 61, não resistiu

“Só no dia 24, depois de muita insistência, conseguimos a informação de que minha mãe estava em estado gravíssimo e tinha sido transferida para a UTI do Hospital Campo Limpo, aqui do lado.No outro dia, recebemos uma ligação informando que ela havia falecido um pouco depois das 5h da manhã”, diz.

Referência em covid-19
Referência para os primeiros cuidados de pacientes com covid, a UPA Campo Limpo tem a missão de cuidar dos doentes e encaminhá-los quando vaga algum leito em hospital. Ao chegar, o paciente é atendido em uma tenda montada para triagem.

“Se precisa internar, o familiar já não acompanha a partir dali”, diz o auxiliar de enfermagem Douglas Cardozo, que recebe no Hospital Campo Limpo, ao lado da UPA, os pacientes com covid-19 transferidos da unidade. “Teve dias com 130 pacientes na UPA. Foram criados leitos extras, macas nos corredores”, conta o profissional, que também é o representante regional do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo).

“Não houve internações em corredores”, rebate a secretaria.

Segundo a assessoria do Einstein, os pacientes internados foram inseridos no sistema de regulação de leitos do município, para que houvesse transferência. “A falta de vagas nos hospitais no momento do pedido foi o motivo do retardo no atendimento”, afirma o texto.

Pelos cálculos do sindicato, o afastamento de funcionários do complexo por doenças respiratórias no começo da pandemia chegou a 30%, correspondente à UPA e ao hospital. A prefeitura fala em 3% da equipe em 2020, taxa que, após a vacinação, teria caído para 0,3%.
“Os profissionais estão recebendo apoio especializado para evitar estresse e burnout e áreas de descompressão foram criadas”, afirma a secretaria em nota.

Por que a UPA superlotou?
“Houve um erro de planejamento das supervisões técnicas de saúde, que regulam a demanda por vagas”, diz Anderson Dimas Pereira Lopes, membro do Conselho da UPA Campo Limpo e do Conselho Municipal de Saúde na região sul.

Ele diz que a decisão foi que o Hospital M’Boi Mirim, na mesma região sul, passaria a receber apenas os pacientes com covid-19 do território do Jardim Ângela, deixando com a UPA Campo Limpo os doentes que chegam do bairro Paraisópolis e distritos como Vila Andrade, Capão Redondo, Campo Limpo e Jardim São Luis.

Um dia após a publicação da reportagem, a Secretaria Municipal da Saúde enviou nota e disse que, em março, “a UPA Campo Limpo respondeu à necessidade de ampliação dos atendimentos, e passou a receber pacientes de 57 unidades de saúde além dos direcionados pelo Samu, quando normalmente atende a 45 unidades”.

Segundo a OS que administra a unidade, “a UPA Campo Limpo já atendeu mais de 20.000 pacientes confirmados ou suspeitos da covid-19 e ocorreram 284 óbitos (que representam 1,4% de mortalidade)”. A instituição diz que, considerando apenas os 3.930 pacientes que ficaram internados, a mortalidade sobe para 7,2% —”menor do que a média observada nos hospitais brasileiros”, afirma a assessoria.

Entenda melhor o retrocesso desse modelo

Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.

No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.

Há até casos em que esse as organizações sociais são protegidas ou controladas integrantes de facções do crime organizado, como PCC.

No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.

É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.

Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.

Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!

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