Em unidade carioca gerida por OS, remédios pagos com dinheiro público saíram 346% mais caros
Como as OSs não precisam fazer licitações para comprar produtos e contratar serviços, as facilidades para o superfaturamento ficam bem maiores
“Dar um tiro no escuro”; “assinar um cheque em branco”; “colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”. Qualquer uma dessas expressões populares pode ser usada para definir de forma simples e resumida o que significa entregar a gestão de um serviço público para uma Organização Social.
Essas empresas, disfarçadas de entidades filantrópicas, visam apenas sugar até o último centavo o dinheiro do contribuinte.
No Rio de Janeiro, cidade que desde 2009 vem entregando suas unidades de pronto atendimento (UPAs), Coordenações de Emergência Regional (CER) e hospitais paras essas OSs, elas têm conseguido com muita liberdade seu intento.
Na busca pelo lucro quase sempre a receita é a mesma. Como não precisam licitar as compras de produtos ou as contratações de serviços, o caminho de superfaturamento é mais simples e seguro.
O CER Leblon é um exemplo desse sistema de trabalho, conforme denunciou o Tribunal de Contas do Município (TCM) e noticiou o blog Emergência.
Na unidade paga-se mais de 300% a mais por remédios. Com dinheiro público, o Hospital Espanhol, que administra o CER Leblon, pagou 346% a mais do que a prefeitura do Rio por doses de Oxacilina injetável, remédio contra infecções.
No ano passado o TCM inspecionou os contratos da emergência do Leblon, que dá suporte ao Hospital Municipal Miguel Couto e descobriu que, em apenas três meses de 2012, somente com medicamentos, a unidade poderia ter economizado R$ 45,8 mil. O Hospital Espanhol alega que a prefeitura consegue pagar mais barato por comprar em maior volume.
Essas e outras informações foram divulgadas por uma série de reportagens do Blog Emergência, chamada Unidade Nova, Problema Velho. Por meio das matérias é possível entender como, apesar de unidades municipais terem sido entregues a Organizações Sociais sob o argumento de que a iniciativa privada saberia gerir melhor o sistema de saúde, a rede municipal carioca está pagando mais caro por serviços e insumos e o atendimento continua deixando a desejar.
Preços absurdos
Os auditores do TCM analisaram 132 notas fiscais de compra de remédio, emitidas entre julho, agosto e setembro de 2012, e compararam os preços pagos pelo Hospital Espanhol com os praticados pela Secretaria Municipal de Saúde, que é obrigada a licitar suas compras de acordo com a Lei 8.666/93.
O Hospital Espanhol gastou, nessas compras de medicamento, R$ 114.458,34. No entanto, se a Organização Social tivesse pago o mesmo preço que a prefeitura do Rio já pagou para adquirir esses mesmos tipos de remédios, o gasto teria sido de R$ 68.644,09. Ou seja o acréscimo de valor foi de 66,7%.
O TCM registra em seu relatório que a “antieconomicidade (…) fica evidente”. Além da Oxacilina injetável, os auditores encontraram outros casos de compras suspeitas.
O Hospital Espanhol, por exemplo, pagou à Profarma R$ 65,10 por Sulfato de Polimixina B (500.000UI frasco/ampola), para o tratamento de infecções. Já Secretaria Municipal de Saúde, que licitou o contrato, conseguiu comprar o mesmo remédio por R$ 21,79. A OS pagou quase três vezes mais.
A compra desvantajosa também foi detectada quando a CER Leblon adquiriu o sedativo Cloridrato de Midazolam.
Resposta
O Hospital Espanhol, por meio de sua assessoria de comunicação, informou que a prefeitura consegue comprar remédios mais baratos por comprar em maior volume e diz que suas compras são feitas de forma transparente: “A aquisição dos remédios é feita através de um sistema chamado BIONEXO que é um pregão virtual. A unidade hospitalar informa a demanda e os laboratórios/distribuidores fazem as ofertas. O melhor preço ganha. É transparente”, diz um trecho da nota.
Ineficiência no atendimento
O CER Leblon também ajuda a derrubar o argumento dos governos de que as OSs profissionalizam e melhoram o atendimento de saúde à população. Segundo documentos obtidos pelo Tribunal de Contas do Município, a unidade faz menos de 25% dos atendimentos que deveria.
No Termo de Referência entregue à prefeitura do Rio, o Hospital Espanhol, que administra o CER Leblon afirmou que realizaria 18 mil atendimentos por mês, entre acolhimentos, consultas e procedimentos médicos e de enfermagem. No entanto, os auditores constataram, durante uma inspeção ano passado, que a média de atendimentos era de apenas 4.258 atendimentos, entre julho e dezembro de 2012. Ou seja, a unidade não fez nem 25% dos atendimentos que prometeu.
Resposta
O Hospital Espanhol foi procurado pelo Blog Emergência para comentar o caso, mas a presidente Andrea Paredes limitou-se a dizer que vai responder diretamente ao TCM. A promessa da prefeitura do Rio era a de acabar com as filas dos hospitais. Com as CER e as OSs, as filas não acabaram, mas foram transferidas para dentro de ambientes refrigerados, com assentos e televisão. Como nos velhos tempos, a população continua esperando horas por atendimento médico.