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03/11/2015     nenhum comentário

“Com OSSs houve um sucateamento geral nos nossos hospitais”

A exemplo do que aconteceu aqui em Santos, em Várzea Grande (MT) governo e vereadores manobraram para aprovar a lei que autoriza a entrada das OSSs. O MPE, no entanto, proibiu a privatização da UPA que estava em curso. A presidente do Sindimed, Eliana Siqueira, descreve os reflexos da terceirização no estado e fala da luta para evitar que o mal se alastre.

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Eliana Siqueira, presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso, é a entrevistada desta semana.

Por que o Ataque aos Cofres Públicos quis ouvir alguém de tão longe? A explicação é simples. Assim como damos nesta página exemplos de vereadores, conselheiros municipais e entidades omissas na luta contra a privatização dos serviços públicos, temos o dever de mostrar aqueles que ainda resistem.

Por resistir diante da investida dos gestores e empresários em favor da privatização do SUS Eliana foi presa. No último dia 21, a médica e mais 23 pessoas que participavam de um ato na Câmara dos Vereadores de Várzea Grande foram detidas de forma arbitrária.

A exemplo do que aconteceu aqui em Santos, na cidade mato-grossense os vereadores manobraram e conseguiram aprovar a lei que autoriza a entrada das Organizações Sociais de Saúde (OSSs) no serviço municipal. O MPE, no entanto, proibiu a privatização da UPA que estava em curso.

Eliana conta os detalhes deste caso e também fala dos prejuízos que as entidades já causaram no Estado.

Fale um pouco do que vocês de Mato Grosso têm sofrido por conta da privatização de hospitais e outras unidades.

Eliana Siqueira – As OSSs vieram quando o secretario de saúde era Pedro Henry, um dos condenados do Mensalão, que ainda cumpre pena. Foi ele quem abriu as portas para as empresas no governo de Silval Barbosa, que também está preso. As OSSs foram recomendadas por essas pessoas, em uma manobra muito grande. Depois desses escândalos, foi eleito o Pedro Taques com discurso contrário às OSSs. Mas ele foi seduzido por elas e promete que agora virão só “OSSs boas”. Fizemos várias manifestações e elaboramos uma lei de iniciativa popular com mais de 27 mil assinaturas para barrar as OSSs. Apesar disso, temos quatro hospitais regionais abandonados, que até semana passada não estavam atendendo nada eletivo por conta de mais de três meses de atrasos nos repasses. Essas OSSs são pessoas jurídicas. Por isso, se o Estado não pagar, elas podem parar de trabalhar. O Estado pagou dois meses e os trabalhadores voltaram a atender. Agora no fim do mês vai juntar dois meses de atraso de novo.

Como médica, fale dos reflexos no sistema de saúde mato-grossense.

Eliana Siqueira – Há um sucateamento total das unidades. Lá no Hospital Regional de Colíder, por exemplo, havia 10 equipamentos de UTI pediátrica com respirador, leito montado com bomba de infusão, monitor etc. Hoje não tem mais nenhum. O bem público tem que ser cuidado por servidores públicos, que dão o devido valor.

Estudos do Tribunal de Contas de SP mostram que, além de ser mais cara, a terceirização é menos eficiente que a administração direta. As OSSs alegam que não podem manter a qualidade se os repasses não estão em dia. Mas há que se ressaltar que os repasses são altíssimos para o pouco que é feito em troca. Na crise os governos atrasam e começa um ciclo vicioso, concorda?

Eliana Siqueira – Estamos atualizando um levantamento que mostra isso. Casos de entidades que no início da gestão faziam 400 mil procedimentos ao ano por R$ 2 milhões e que hoje fazem 500 mil procedimentos por R$ 12 milhões. O custo aumentou em mais de dez vezes e nem sequer dobrou o número de atendimentos.

E no quesito qualidade?

Eliana Siqueira –  Como médica vejo como muito grave a gestão por metas As empresas cobram uma alta rotatividade nos leitos. No caso de uma pneumonia, por exemplo, se não conseguirmos estabilizar o paciente em três dias, pedem para dar alta. Ela sai do sistema e entra de novo, contando como uma outra internação para seguir o tratamento. Se um paciente ocupa um leito por 30 dias, dificulta para a empresa atingir a meta. Esse tipo de gerenciamento é altamente deletério para a saúde. A pessoa não é cuidada totalmente. No caso de um diabético, que tem o pé com necrose, é muito mais fácil amputar o pé do que ficar tratando para tentar curar ou diminuir o tamanho da amputação.

A lógica das OSss favorece a interrupção precoce do tratamento ou mesmo uma decisão médica menos indicada?

Eliana Siqueira –  Sim, quem amputa o pé fica no hospital cerca de cinco dias só. A lógica é essa: fazer tudo rápido. Sem contar as denúncias de que fraturas menores foram tratadas como mais graves, inclusive com colocação de pinos desnecessários, para que o procedimento fosse contabilizado como complexo. Já no Hospital Regional de Rondonópolis, a terceirizada é contratada para cirurgias de maior complexidade, cirurgias ortopédicas e tal. Então, ao invés de fazerem essas cirurgias de maior complexidade, eles alcançam o número necessário com mais operações de fimose, hérnia, vesícula. Operações simples estão servindo para justificar aquele dinheiro todo colocado para as complexas.

Há uma CPI na Assembleia do Mato Grosso para apurar desvios cometidos pelas OSSs. Há alguma esperança de que não termine em pizza?

Eliana Siqueira –  Estamos acompanhando por meio de um deputado que é médico de Cárceres, onde há OSS também. Ele viveu na pele. A gente tem esperança de que as investigações tragam um desfecho diferente do que estamos acostumados a ver em outras CPIs. Mas é só uma esperança, não uma garantia.

Em Várzea Grande houve, há dez dias, uma mobilização para evitar que mais uma UPA fosse privatizada. Você e outros manifestantes foram presos. A Lei que autoriza as OSs na cidade foi aprovada na base da pressão, como aqui em Santos. Por que há esse apetite voraz pela terceirização?

Eliana Siqueira –  As OSSs só não são boas para o cidadão e para os trabalhadores. Para as empresas e políticos ela dá muito certo. Está mais do que comprovado que por esse caminho os desvios de verbas públicas aumentaram bastante. As OSSs não são obrigadas a prestar contas detalhadas do que é gasto nas unidades. Estão desobrigadas dos processos licitatórios, que podem ser feitos por adesão. Em Várzea Grande houve manifestação e revolta porque a população está muito insatisfeita.

E o Conselho Municipal, que em tese deveria se encarregar de fazer esse controle social?

Eliana Siqueira –  Houve um golpe lá. A gente soube que eles iam votar o parecer sobre a lei das OSSs. Imediatamente nos mobilizamos e fomos em umas 25 pessoas para essa reunião. Lá os conselheiros municipais se sentiram constrangidos com nossas palavras de ordem. Pontuamos que a lei previa a terceirização de toda a saúde e não apenas de uma unidade. Resultado: por 10 votos a 3 os conselheiros rejeitaram a entrada das OSSs. Uma semana depois, chamaram outra reunião do Conselho, desta vez com o prefeito e o secretario de saúde. Colocaram em nova votação e a lei foi aprovada, inclusive com policial dentro da sala. Daquela maneira, sem a população e sem os trabalhadores pressionando, os conselheiros se sentiram à vontade para apoiar as OSSs. O controle social está muito longe de ser uma realidade. Eles estão ali para representar entidades e o povo, mas só fazem o que o gestor manda.

Que conselho você dá para os santistas que estão sendo igualmente trapaceados por esse golpe contra a saúde pública?

Eliana Siqueira –  Digo que o SUS é uma conquista social. Há pouco tempo só era atendido nas unidades de saúde quem tinha carteira de trabalho assinada. A população desacredita do sistema porque os gestores vão sucateando. Coloca-se na nossa cabeça que ele não é bom. Mas o SUS é a única política pública de acesso irrestrito. Precisamos parar de nos conformar e de acreditar que qualquer outra coisa é melhor que o SUS, seja um plano de saúde, uma OSSs, ou uma gestão particular. Temos é que cobrar. Aqui em Mato Grosso nós vamos começar a nos reunir nos bairros. Nada de conselheiro, vereador ou deputado. A gente vai começar a discutir diretamente com a população o direito à saúde e assim tentar melhorar as coisas de baixo para cima. Vimos o SUS nascer em 1988. Ele é um menino de 27 anos. Não podemos deixá-lo morrer. Temos de ir para as ruas mostrar a nossa indignação e dizer que o SUS é um bem nosso, que dele não abriremos mão.

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