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22/03/2019     nenhum comentário

Paciente morre após ser tratado como ‘batata quente’ em Santos, acusam parentes

Em 43 dias de martírio, o ajudante geral Edson Esmelri passou de um serviço para o outro sem receber tratamento que atacasse o problema que causou sua morte.

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Perder um ente querido já é uma dor imensa. Pior ainda é saber que as chances de manter esta vida foram desperdiçadas por aqueles que têm o dever de fazer o possível para proteger a vida humana.

Nesta matéria refizemos a peregrinação dramática de uma família pelos serviços de saúde de Santos, na tentativa de salvar a vida de um de seus integrantes.

A vítima é o ajudante geral Edson Esmelri Pereira dos Santos, de 53 anos, que faleceu no último dia 13 de março, apenas três horas depois de finalmente ser removido da UPA Central de Santos para um leito de UTI, na Santa Casa.

O paciente tinha problemas no trato urinário, decorrentes de um possível tumor na região da bexiga. A irmã, Patrícia Esmelri Alves de Almeida, conta que em todos os serviços onde Edson foi levado para tentar um tratamento digno faltaram medidas necessárias para evitar o agravamento do quadro.

“A sensação é de que ele foi levado de um lugar para o outro e ninguém se responsabilizou de fato em fazer o que precisava ser feito para tentar salvá-lo”, afirma a funcionária pública.

Abaixo um cronograma da busca desesperada da família.

1/02

Após sofrer com dores para urinar o paciente procurou a rede de pronto-atendimento da Zona Noroeste. Lá ficou internado por dois dias. Dentre os problemas no trato urinário, ele havia sido diagnosticado com uma bactéria chamada Klebsiella SP.

3/02

O paciente foi encaminhado para internação no Hospital dos Estivadores. No Hospital, Edson foi submetido à ressonância e à tomografia, que constataram uma “massa” na região da bexiga. Essa “massa” estaria prejudicando o funcionamento dos rins.

14/02

Mesmo com a saúde ainda debilitada e urinando sangue, o paciente teve alta médica com uma carta de encaminhamento para consulta com urologista. Não foi possível sequer saber se a tal “massa” que apareceu nos exames seria um tumor, já que não foi feita biópsia. Em casa, as dores só aumentaram e começou um martírio diário para conseguir uma consulta com o especialista.

Entre o dia 15/2 e 8/3, quase que diariamente Edson comparecia no serviço de pronto-atendimento da ZN para tomar injeções para aguentar a dor. Frequentemente, a irmã e outros familiares questionavam a policlínica do Jardim Santa Maria sobre os motivos da demora para o agendamento da consulta com um urologista da rede. “Só diziam: ‘está agendado, mas não está marcado. Aguarde que vamos ligar’”, conta Patrícia.

08/03, de manhã

Ao todo, 22 dias de espera angustiante se passaram. Depois de Patrícia apelar por ajuda a conhecidos e até para políticos, a consulta com o urologista finalmente aconteceu, em 8 de março, no Ambesp da Av. Conselheiro Nébias.

Edson chegou a desfalecer diante do médico, tamanha sua fraqueza. O especialista fez uma carta encaminhando o paciente para internação imediata na UPA Central, já que o caso exigia um tratamento mais intensivo.

09/03

Em atendimento na UPA Central, a médica diz que só poderia interná-lo após pedir novos exames. “Eu ouvi essa médica, que era bem jovem, perguntar sobre o caso do meu irmão ao chefe dela, pelo telefone. Pude ouvir a resposta, por mensagem. Ele respondeu que não era assim, que só poderia ficar se fizesse uma transfusão”, contou Patrícia.

Foram coletados exames de sangue e urina. Também foi feito um eletrocardiograma. Como estes exames só ficariam prontos no dia seguinte, a família retornou para casa.

10/3, às 8h

Edson e a irmã voltaram para a UPA Central, a fim de pegar os exames e passar novamente pelo médico.

“Perderam o eletro. Ninguém sabia onde estava. Já os exames laboratoriais deram resultados muito alterados. Ele já estava com uma anemia severa e precisaria receber sangue rapidamente. A médica explicou que a massa na bexiga não estava deixando a urina passar e o líquido estava voltando para os rins”, disse Patrícia.

Com esse quadro, a equipe encaminhou o ajudante geral para o setor de emergência, onde ficaria aguardando a disponibilidade de remoção para algum hospital da região.

10/3, à tarde

Para a surpresa dos acompanhantes, a vaga veio no mesmo dia, à tarde. No entanto, erros e burocracia geraram mais sofrimento ao doente.

“Nos transferiram de ambulância para a Santa Casa. Eu cheguei a fornecer os dados durante os trâmites da internação. No fim, não deixaram ele ficar. Simplesmente nos mandaram voltar. Colocaram ele de novo na ambulância, alegando que a solicitação no sistema como vaga zero estava errada. Teriam que fazer um novo pedido de leito”.

10/3, às 16h30

De volta à UPA, a família foi orientada a não sair da unidade, pois seria feita uma nova solicitação de vaga. “Foi solicitado vaga com urgência para UTI tendo vista a necessidade imediata de transfusão de sangue e hemodiálise”.

Começou um novo ciclo de angústia. “Eu, minha sobrinha e minha irmã nos revezamos de dia, de noite e de madrugada na UPA, à espera dessa vaga e nada!”.

12/3, de manhã

Dois dias depois, Edson já estava em situação crítica, respirando com oxigênio, ainda sem previsão de uma vaga. Ele necessitava urgentemente de uma hemodiálise. “Bati em gabinete de vereador, pedi ajuda para uma deputada, mandei mensagem para o secretário de Saúde, apelei para Deus e o mundo para conseguir essa vaga. Estava vendo meu irmão morrendo aos poucos”, relembrou a funcionária pública.

12/3, à tarde

Desorientado, o paciente acabou arrancando a sonda. Os funcionários da UPA Central não conseguiam colocar de volta. Segundo Patrícia, era preciso uma microcirurgia para recolocá-la e isso a equipe não sabia fazer. Informaram que o procedimento só poderia ocorrer na Santa Casa.

12/3, à noite

Removeram Edson para a Casa de Misericórdia só para recolocar a sonda.

“O médico que acompanhou na ambulância ainda ficou com medo desse transporte, comentou que era arriscado. Eu tinha esperança de que lá vissem o quadro dele e o internassem. Mas, após uma hora, ele foi devolvido para a UPA, mesmo precisando de uma transfusão”.

13/4

Às 2 horas surgiu finalmente uma vaga de UTI na Santa Casa. O ajudante geral já estava com batimentos muito fracos e a pressão muito ruim.

Debilitado ao extremo, Edson foi encaminhado para o hospital, mas já não reagia. Faleceu às 5h47. Ele deixa três filhos e os últimos dias de sua vida como provas de uma constatação cruel: é mentira que a entrada das organizações sociais na rede de saúde municipal traria excelência ao sistema e salvaria vidas. Assim como é mentira que a UPA e o HES se tornariam referências regionais em humanização.

Ambas as promessas são feitas desde 2013, pelo hoje secretário de Saúde, Fábio Ferraz, e pelo prefeito Paulo Alexandre Barbosa, ao justificarem a implantação do Programa Municipal de Publicização. Programa cuja lei a Câmara Municipal irresponsavelmente aprovou e que agora não fiscaliza. Mudança avalizada pelo Conselho Municipal de Saúde à época e que agora, depois de tantas mortes suspeitas, passou a questionar.

A história de Edson é mais uma história triste a mostrar que a terceirização no SUS a custos altíssimos serve para autoridades se desresponsabilizarem e para empresas obterem lucro.

Ao que tudo indica, nem para as OSs e nem para as autoridades a vida do ajudante geral parecia compensar financeiramente o esforço de tratá-lo com dignidade. Ele morreu sem ter feito transfusão e hemodiálise, procedimentos que poderiam mudar o desfecho do caso. Ele morreu sem saber se a “massa” que ele carregava na bexiga era mesmo um tumor. Nem as empresas e nem os gestores devem ter essa curiosidade.

Edson agora é estatística.

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