denuncie Denuncie! denuncie
O.S. em Santos NÃO!
Facebook
Youtube
23/07/2015     nenhum comentário

O percurso do dinheiro entregue às OSs no município do Rio de Janeiro

Pesquisa aponta que de 2009 a 2013 mais de R$ 4 bilhões foram destinados a entidades beneficiadas por contratos com altos valores de aditamento, ínfima transparência e baixo controle social. Muitas delas envolvidas em escândalos de corrupção.

seminario_joseane

A atuação das Organizações Sociais (OSs) e seus impactos na saúde ofertada à população do município do Rio de Janeiro foram alvos de uma pesquisa denominada “Novas Articulações Entre o Público e o Privado no Sistema de Saúde Brasileiro: O Caso do Município do Rio De Janeiro”.

O trabalho, financiado pela FAPERJ, é um projeto interdisciplinar que envolve grupos de pesquisa de duas universidades do Rio de Janeiro – UERJ e UFRJ – coordenado pela professora Maria Inês Bravo.

Seus principais dados foram divulgados nos últimos dias 6 e 7 de julho, durante o Seminário “A Saúde no Rio de Janeiro: Resistências à Privatização”, realizado na UERJ.

Uma das autoras, a assistente social e doutoranda em Serviço Social pela UERJ, Joseane Barbosa de Lima, fez o mapeamento da privatização da saúde via apropriação privada do fundo público da saúde pelas OSs.

Ela começa lembrando que na cidade do Rio de Janeiro a lei municipal das OSs (Lei no 5.026) foi sancionada em maio de 2009, a despeito da posição contrária do Conselho Municipal de Saúde, e foi regulamentada pelo decreto municipal 30.780 de 2/06/2009.

Conforme o levantamento, desde 2009 até o ano  de 2013, 21 entidades foram qualificadas como Organizações Sociais no município do Rio de Janeiro para atuar no âmbito da saúde.

Desse total de entidades qualificadas, a busca pelos Contratos de Gestão identificou que 14 OSs celebraram contratos com o município no período, consumindo dos cofres públicos valor superior a R$ 4 bilhões em menos de cinco anos.

São elas: Associação Marca para Promoção de Serviços (A. Marca); Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM);  BIOTECH – Humanas Organizações Sociais de Saúde, Centro Integrado e Apoio Profissional (CIAP); Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (FIOTEC); Instituto de Ação Básica e Avançada a Saúde (IABAS); Viva Comunidade, Centro de Estudos e Pesquisas 28 (CEP-28), Fibra Instituto de Gestão e Saúde (FIBRA); Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” (CEJAM), Instituto SAS; Instituto Unir Saúde e Sociedade Espanhola de Beneficência e Associação Social Global Soluções em Saúde (GLOBAL).

tabRio2009

tabRio2010

A partir de 2011 não foram localizados todos os contratos, por isso o valor das tabelas abaixo provavelmente é muito menor do que o montante real.

tabrio2011

tabRio_2012_2013

 

Falta de informações e de transparência

A pesquisa enfrentou dificuldades por falhas na disponibilização de informações sobre os contratos tanto no  site da Secretaria Municipal de Saúde (SMS/RJ) quanto no Portal Rio Transparente. “No site da SMS/RJ, identificamos a numeração de alguns contratos, no entanto, ao tentar consultá-los nos deparamos com links indisponíveis. Já no portal Rio Transparente é possível acessar o montante de recursos destinados às OSs, no entanto, não é possível identificar o objeto e a qual contrato o valor está vinculado”.

Uma terceira fonte na busca de informações – o Diário Oficial do Município, também trouxe obstáculos por conta de alguns contratos terem sido digitalizados a partir de fotocópias ilegíveis e/ou rasuradas.

Constatou-se ainda que os Termos Aditivos e Apostilamentos que tratam da renovação de contratos, ou de altos repasses de valores, não foram disponibilizados completamente, dificultando a compreensão do que está foi “negociado” ou “acordado”, e deixando margem para suspeitas de que o município, de forma proposital, dificulta o acesso dos cidadãos, e dos movimentos sociais organizados, ao que lhe é de direito: o acesso à informação, e controle social sobre os gastos públicos.

Termos aditivos nas alturas

No ano de 2011 as pesquisadoras ressaltaram que, em relação aos Termos Aditivos (TA) encontrados (e aqui é preciso ressaltar que nem todos foram localizados), identificou-se que, dos seis contratos assinados, quatro foram prorrogados por meio de TA com valores altos. Um deles levou o valor do contrato a praticamente dobrar na prorrogação da sua vigência (de R$ 27.926.644,31 para R$ 53.534.603,04).

“Outra questão que chama atenção ao se analisar as informações disponibilizadas, é o predomínio de contratos com valores altos centralizados em determinadas OS”, aponta a pesquisa, que lista o ranking das entidades que mais receberam recursos no período 2009-2013:

– IABAS –  R$ 373.501.530,10

– SPDM -R$ 178.372.665,27

– Viva Comunidade – R$ 105.861.316,76

 

Método de gestão é criticado

Ao analisar a direção para onde caminha a política de saúde do Rio de Janeiro, o trabalho pontua que a lei das OS nada mais é do que a transferência pelo Estado, de suas unidades hospitalares, prédios, móveis, equipamentos, recursos públicos e, muitas vezes, pessoal para a iniciativa privada.

“Nesse processo, é possível observar que a alocação dos recursos da saúde tem funcionado como uma fonte importante de sustentação dessas organizações sociais e seus grupos empresariais, aprofundando a tendência de focalização e precarização dos serviços de saúde”, diz Joseane Barbosa de Lima.

A pesquisa faz ainda um alerta para quem crê no discurso dos defensores das Organizações Sociais de que as mesmas são capazes de executar as funções do Estado no âmbito das políticas sociais de forma mais ágil, mais eficiente, efetiva e com menos custos.  Para isso, menciona o Relatório do Tribunal de Contas do município do Rio de Janeiro (2011) referente a UPA municipais – UPA da Cidade de Deus e da Vila Kennedy – que aponta uma imensa contradição à esse discurso.

Ao comparar as despesas das referidas UPA sob a gerência da OS IABAS, com os gastos  despesas de unidades diretamente gerenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil (SMSDC) – os Centros Municipais de Saúde Jorge Saldanha Bandeira de Melo (Jacarepaguá) e Waldir Franco (Bangu) – o TCM/RJ identificou gastos excessivos.

Dotada de autonomia para decidir sobre os procedimentos que devem adotar para a contratação de obras e serviços, bem como para compras e alienações, a entidade contratada pela prefeitura pagou um preço por  serviços, medicamentos e produtos com valores acima do que a própria prefeitura desembolsa com unidades de saúde diretamente sob sua gerência: […] 56% a mais por serviços de limpeza, 168% por remédios (antibióticos, antitérmicos, analgésicos e anti-inflamatórios) e 51% a mais por gases medicinais em relação às mesmas despesas nos centros de saúde. (CARDOSO, 2012, p.106).

Escândalos de corrupção

Para além do relatório do TCM/RJ, a pesquisa destaca em uma retrospectiva rápida que algumas das organizações sociais que assinaram Contratos de Gestão com a SMSDC/RJ no período pesquisado estão envolvidas em escândalos de corrupção em outros Estados.

“A MARCA, por exemplo, é acusada de participar de esquema de fraudes na área de saúde em Duque de Caxias e na UPA Senador Camará. O Ministério Público do Rio investiga se os recursos destinados à UPA também foram desviados, a exemplo do que ocorreu em Caxias e em Natal, capital do Rio Grande do Norte, onde o esquema de fraudes envolvendo a referida OS foi deflagrado. Há questões também expostas no Relatório do Tribunal de Contas do Município frente ao contrato de gestão entre a Secretaria Municipal de Saúde e a Organização Social IABAS, apontando sobrepreços relativos aos custos dos serviços continuados contratados pela referida OS; valores salariais exorbitantes pagos aos diretores de OS, gerando prejuízos milionário passados aos cofres públicos do município, além da incapacidade de alcançar os indicadores de qualidade dos serviços prestados, já que a OS alcançou apenas oito dos 19 indicadores existentes (42%) (TCM/RJ, fevereiro/2010 a junho/2011)”.

Outras irregularidades envolvem OSs beneficiadas por contratos no Rio de Janeiro. Segundo a pesquisa,  recentemente outro relatório de auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas do Município acusa a OS Biotech Humanas de irregularidades na terceirização da gestão do Hospital Municipal Pedro II, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, podendo ter causado um prejuízo de R$ 1,5 milhão. Destaca-se ainda, no relatório do TCM, o fato de que “o processo de qualificação e seleção da Biotech apresenta evidências de direcionamento para um grupo específico, favorecendo empresas com as quais o presidente da Biotech, Valter Pellegrini Junior, possui relação pessoal”.

A inspeção do TCM concluiu que medicamentos e materiais comprados por um valor de mais de R$ 10 milhões, lançados como despesas entre 2012 e 2013, não tiveram suas entradas no hospital comprovadas. Os preços pagos pela Biotech com os remédios foram, em média, 300% maiores que a tabela da prefeitura (O GLOBO, 2015).

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *