denuncie Denuncie! denuncie
O.S. em Santos NÃO!
Facebook
Youtube
30/07/2021     nenhum comentário

INCÊNDIO NA CINEMATECA FOI UM CRIME ANUNCIADO, DENUNCIAM TRABALHADORES DA UNIDADE

“A gestão da instituição por meio de terceirização via Organização Social, da forma como foi realizada, mostrou como pode ser frágil essa relação, e que tal modelo não dá conta da complexidade de um órgão cultural desse porte”, diz manifesto

cinemateca

A Secretaria Especial da Cultura publicou um edital para contratação de entidade gestora da Cinemateca Brasileira um dia após um incêndio atingir o depósito da instituição, localizado no bairro Vila Leopoldina, em São Paulo. O edital também acontece após diversos especialistas terem chamado atenção para os altos riscos de que acontecesse uma tragédia com o acervo nacional.

Como lembra reportagem da Folha de S. Paulo, a abertura do chamamento público ainda marca um ano desde que o governo Bolsonaro tomou para si a tutela da Cinemateca, em ação que teve presença da Polícia Federal. Até então a instituição era gerida pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, entidade privada que afirmava não receber os repasses do governo previsto no contrato.

O edital prevê um novo contrato de cinco anos com uma entidade privada sem fins lucrativos. Trabalhadores da unidade e técnicos da área dizem que a situação tende a piorar com mais uma terceirização sem qualquer garantia de que a Cinemateca contará com profissionais qualificados para atuar na preservação do que restou do acervo e na recuperação do que ainda tem chance se der salvo.

Abaixo reproduzimos na íntegra o manifesto dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira sobre o incêndio na unidade da Vila Leopoldina

CRIME ANUNCIADO!

O incêndio que acometeu o edifício da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina na noite de 29 de julho de 2021 foi um crime anunciado, que culminou na perda irreparável de inúmeras obras e documentos da história do cinema brasileiro. Essas instalações são parte fundamental e complementar em relação ao espaço da Vila Clementino, onde se encontra armazenada a maior parte do acervo da Cinemateca Brasileira. Recentemente, em fevereiro de 2020, uma enchente já havia afetado grande parte do acervo documental e audiovisual lá depositado.

Há mais de um ano denunciamos publicamente a possibilidade de incêndio nas dependências da Cinemateca pela ausência de quaisquer trabalhadores de documentação, preservação e difusão. Houve o alerta sobre a chance de o sinistro ocorrer nos acervos de nitrato da Vila Clementino, pois trata-se de material inflamável que pode entrar em autocombustão sem revisão periódica. Não foi o caso deste, o quinto incêndio na instituição. No entanto, as causas são as mesmas. Seguramente, muitas perdas poderiam ter sido evitadas se os trabalhadores estivessem contratados e participando do dia a dia da instituição.

No próximo dia 8 de agosto completará um ano do abandono da Cinemateca Brasileira pelo Governo Federal e a demissão de todo seu corpo técnico, que sequer recebeu os salários não pagos e as rescisões pela anterior gestora, Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto – Acerp. Ainda assim foi noticiada a contratação de equipes de manutenção, bombeiros e limpeza. Apesar de serem fundamentais para o funcionamento do arquivo de filmes, não são suficientes para suas demandas específicas, como evidenciado neste dia fatídico.

A situação se torna mais crítica se pensarmos que essa ausência de equipe técnica especializada por um ano possivelmente teve consequências irreversíveis para o estado de conservação dos materiais. Certos danos são silenciosos, porém tão trágicos quanto um incêndio, e igualmente irrecuperáveis. Trata-se do tempo de vida dos diversos materiais, diminuindo drasticamente, e da perigosa deterioração dos filmes de nitrato e de acetato. Apenas com o retorno da equipe especializada será possível avaliar as extensões das perdas e danos para que então as atividades de conservação sejam retomadas.

O acervo que estava armazenado na Vila Leopoldina, apesar de em menor número, possuía igual relevância e importância ao da Vila Clementino. Abaixo listamos alguns dos materiais possivelmente perdidos ou afetados no incêndio de 29 de julho de 2021:

– Do acervo documental: grande parte dos arquivos de órgãos extintos do audiovisual como parte do Arquivo Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S.A. (1969 – 1990), parte do Arquivo do Instituto Nacional do Cinema – INC (1966 – 1975) e Concine – Conselho Nacional de Cinema (1976 – 1990), além de documentos de arquivo ainda em processo de incorporação. Para evitar que novas enchentes atingissem o acervo, parte desses materiais foi transferida do térreo para os depósitos climatizados no primeiro andar, principal área atingida pelo incêndio. Tal medida ocorreu após uma grave enchente em fevereiro de 2020. Parte do acervo de documentos oriundos do arquivo Tempo Glauber, do Rio de Janeiro, inclusive duplicatas da biblioteca de Glauber Rocha e documentos da própria instituição.

– Do acervo audiovisual: parte do acervo da distribuidora Pandora Filmes, de cópias de filmes brasileiros e estrangeiros em 35mm. Matrizes e cópias de cinejornais únicos, trailers, publicidade, filmes documentais, filmes de ficção, filmes domésticos, além de elementos complementares de matrizes de longas-metragens, todos estes potencialmente únicos. Essa parcela do acervo já havia sido parcialmente afetada pela enchente recente. Parte do acervo da ECA/USP – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo da produção discente em 16mm e 35mm. Parte do acervo de vídeo do jornalista Goulart de Andrade.

– Do acervo de equipamentos e mobiliário de cinema, fotografia e processamento laboratorial: além do seu valor museológico, muitos desses objetos eram fundamentais para consertos de equipamentos em uso corrente, pois, para exibir ou mesmo duplicar materiais em película ou vídeo, é necessário maquinário já obsoleto e sem reposição no mercado.

O incêndio da noite de ontem é mais um motivo pelo qual não podemos esperar para dar um basta à política de terra arrasada e de apagamento da memória nacional! Estamos em luto, pela perda de mais de meio milhão de brasileiros, e agora pela perda de parte da nossa história. Incêndio na Cinemateca Brasileira em 2016, no Museu Nacional em 2018 e, novamente, na Cinemateca em 2021. Além de todas as mortes evitáveis, nossa história vem sendo continuamente 2/3 extirpada – como um projeto. Infelizmente, perdemos mais uma parte do patrimônio histórico-cultural brasileiro.

A Cinemateca Brasileira não pode ficar à mercê de novas intempéries. A gestão da instituição por meio de terceirização via Organização Social, da forma como foi realizada, mostrou como pode ser frágil essa relação, e que tal modelo não dá conta da complexidade de um órgão cultural desse porte. O edital prometido pelo Governo Federal, sem debate, ferramentas de transparência, a participação da população, de pessoas da área de patrimônio cultural e, principalmente, do coletivo dos ex-trabalhadores da instituição, não será a solução. Alerta-se ainda que o orçamento anunciado é significativamente inferior ao necessário. É preciso estabilidade e garantia de equipe técnica a longo prazo, oferecendo à instituição um orçamento compatível com os necessários serviços de preservação e difusão do audiovisual brasileiro.

Sem trabalhadores não se preservam acervos!
Trabalhadores da Cinemateca Brasileira
São Paulo, 30 de julho de 2021

Incêndio

O incêndio que atingiu o depósito da Cinemateca Brasileira teria começado durante a manutenção, por parte de uma empresa terceirizada, no ar-condiciado de uma sala no primeiro andar do imóvel. A empresa terceirizada foi contratada pelo governo federal. Segundo o Corpo dos Bombeiros, o fogo foi causado por uma falha técnica no serviço e os bombeiros foram acionados depois que o incêndio se alastrou por três salas.

Em maio deste ano, a Justiça Federal deu prazo de 45 dias para que o governo provasse que estava trabalhando para garantir a conservação do material guardado na Cinemateca Brasileira e que está atuando para retomar o conselho da entidade, principal instituição de preservação do audiovisual brasileiro.

Em agosto do ano passado, o governo federal demitiu todos os funcionários que trabalhavam na instituição, alguns com décadas de carreira, e o portal oficial da Cinemetaca foi retirado do ar.

Em 12 de abril deste ano, os ex-funcionários da Cinemateca Brasileira publicaram um manifesto alertando para “os riscos que correm o acervo, os equipamentos, as bases de dados e a edificação da instituição”. “O risco de um novo incêndio é real. O acompanhamento técnico e as demais ações de preservação, inclusive processamento em laboratório, são vitais”, diz o comunicado, que atenta também para o teor inflamável dos e da possibilidade de auto combustão das películas.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *