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07/05/2016     nenhum comentário

ENTREVISTA: ex médico da UPA de Santos dá detalhes da morte de paciente no banheiro e sobre sobrecarga de trabalho

O Ataque entrou em contato com o profissional, que respondeu mais perguntas sobre o caso e também sobre más condições de trabalho, equipes reduzidas nos plantões, falta de medicamentos e deficiências do modelo de gestão por Organizações Sociais.

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O médico que atuou na UPA Central de Santos, gerenciada pela Fundação do ABC, concedeu entrevista ao Ataque aos Cofres Públicos sobre o episódio de suposta negligência no atendimento de um paciente que faleceu no banheiro da unidade, em seu segundo dia de funcionamento.

O caso faz parte da lista de denúncias levadas ao Ministério Público pelo vereador Evaldo Stanislau (PT). O MPE já abriu investigação sobre a UPA. (Saiba mais aqui)

Foi Anderson Silva Mendes quem encontrou acidentalmente o homem já em parada cardiorrespiratória no banheiro da UPA. Em comentário enviado ao Ataque aos Cofres Públicos, Anderson afirmou que o desfecho do paciente poderia ter sido diferente se todos os protocolos de atendimento tivessem sido seguidos.

O Ataque entrou em contato com o profissional, que respondeu mais perguntas sobre o caso e também sobre más condições de trabalho, equipes reduzidas nos plantões, falta de medicamentos e deficiências do modelo de gestão por Organizações Sociais. O médico faz também um diagnóstico sobre os desafios da área e o que precisa ser feito para levar mais qualidade ao atendimento da população.

Confira a entrevista na íntegra:

1) Você atuou na UPA em que período?

Estive trabalhando na UPA Central do segundo dia de funcionamento (18 de janeiro), uma segunda-feira, até a primeira semana do mês seguinte.

2) Sobre a morte do paciente, disse que acredita que poderia ter sido evitada se ele fosse prontamente socorrido e levado para atendimento de emergência. Tem alguma ideia do porquê isso não aconteceu? Falta de treinamento ou de experiência na triagem dos pacientes?

Por protocolo, todo paciente que dá entrada na triagem da UPA com dor torácica deve ser avaliado com absoluta prioridade pelo médico em sala de emergência e é vital que uma vez lá seja conseguido acesso venoso para medicação de emergência, oxigênio de suporte e monitorização cardíaca mais oximetria de pulso que avalia a quantidade de oxigênio na circulação periférica! É a conceito de MOV! Monitorização, Oxigênioterapia e Veia periferica, e deve ser feito pela enfermagem sem a autorização ou presença do médico! O paciente não estava com a veia acessada e não estava com a ficha de atendimento junto de si no banheiro. Baseado na história que se espalhou entre os funcionários, não foi levado de cadeira de rodas à emergência, como é recomendado, e sim estava acompanhado pela esposa, que o deixou na porta do banheiro!

Não sei informar se passou por médico ou não, mas creio que a esposa dele estava na fila da sala de medicação, aguardando seu lugar na fila enquanto o paciente estava no banheiro! Se o paciente estivesse na emergência, ao invés de estar no banheiro, como o protocolo prevê, teria sido possível diagnosticar a causa do mal súbito que o afetou e com providências cabíveis, imediatas, seriam bem maiores as chances de reverter a arritmia cardíaca, que costuma ser a causa comum de parada cárdio respiratória e que ocasiona a morte da maioria dos enfartados. O ideal é que nestes casos o tempo da porta da UPA até a realização do ECG na sala de emergência não seja maior que 10 minutos!

É possível que a falta de experiência dos profissionais e o pouco treino em emergências e triagem tenham contribuído para o desfecho! Não posso afirmar com certeza porque não vi os documentos e não ouvi ninguém que tivesse atendido o paciente que veio a óbito! A verdade é que a maioria das emergências no Brasil são atendidas por profissionais com poucos anos de experiência e isso é preocupante porque não é local onde se possa titubear! Segundos podem fazer a diferença entre a vida e a morte! Profissionais com pouca experiência devem ser supervisionados para atenuar o risco envolvido na aprendizagem da atuação em casos graves! O que ocorre é que os profissionais experientes tendem a abandonar as emergências devido à falta de boa estrutura para a boa assistência, somado ao ambiente estressante e muitas vezes perigoso para a segurança física dos profissionais!

3) Qual foi a alegação da chefia na época? O que eles justificaram para os parentes? Como os parentes reagiram?

Não tive contato com os parentes porque após entregar o paciente na sala de emergência para o médico que estava no local, voltei a atender no consultório como antes fazia.

4) Por que acredita que o caso ficou tanto tempo em sigilo?

Não sei dizer! Pela características do ocorrido e pela polêmica gerada pela contestação do tipo de gestão da UPA, sinceramente esperava que tivesse tido a cobertura da imprensa. Comentei com minha esposa sobre como ocorreu a primeira morte da UPA Central logo no segundo dia de trabalho e como seriam as manchetes dos jornais noticiando o ocorrido! Como nada ocorreu, concluí que a família se resignou com o ocorrido, que afinal poderia ter ocorrido em outro hospital, e não dei mais importância. Até ver a manchete sobre a morte nas páginas sociais! Foi assim que resolvi me manifestar sobre meu testemunho do ocorrido!

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5) Você diz em seu relato enviado na sessão de comentários do site do Ataque aos Cofres Públicos que chegou a questionar problemas no número de profissionais nas equipes. Havia sobrecarga constante de trabalho ou só esporadicamente?

Enquanto trabalhei lá as equipes de médicos estavam dimensionadas para menos do que o recomendado pelo Ministério da Saúde para uma UPA com as características e porte da UPA Central! A médica diretora da UPA prometeu que faria gestões junto a Fundação do ABC (FUABC) para ampliação do número de médicos e de pessoal de enfermagem para dar vazão a demanda sem sobrecarregar os profissionais, de modo que tivessem tempo adequado para fazer um bom atendimento ao munícipe! Até o dia que fui dispensado não houve aumento da equipe!

6)  Em que medida essa sobrecarga atrapalha o atendimento aos pacientes?

O fato é que com pouco tempo para fazer uma boa consulta e com pressão da administração para que os médicos dêem conta da demanda crescente, somado à pouca experiência de alguns profissionais, tudo isso faz com que haja aumento dos riscos de erros de diagnóstico e conduta! Quando os profissionais são encorajados a deixarem de se alimentar para poder atender os pacientes que lotam a sala de espera, isto amplia os risco de erros! Muitos dos médicos são contratados como profissionais autônomos e não resistem e acabam ficando sobrecarregados para atender as expectativas dos empregadores que só pensam em aumentar o número de consultas por médico, com vistas à diminuição dos custos com a mão de obra! O problema é que não se faz recall com a saúde das pessoas e prejuízos com a saúde alheia são, na maioria das vezes, impossíveis de serem minimizados como pode ocorrer em outras atividades humanas, como na indústria em geral! O Ministério da Saúde preconiza no máximo 75 pacientes por médico por 12 horas para que a segurança e a qualidade do atendimento seja mantido! Não era o que acontecia quando trabalhei lá e foi o motivo central das minhas reclamações e da minha dispensa!

7) Há problemas para a realização de exames ou algum procedimento específico lá?

Havia falta de medicações inclusive para o infarto do miocárdio! Nós primeiros dias os pacientes que deram entrada com infarto não tomaram as medicações prescritas por faltarem na farmácia!

8) Você mencionou também que direitos trabalhistas não eram respeitados, como horário de almoço e repouso. Qual a alegação da chefia para esse descumprimento da lei?

Os horários de almoço e descanso não eram observados e a administração cobrava o retorno ao trabalho logo após o término das refeições! Como a FUABC não dá refeições para os trabalhadores, estes traziam de casa suas marmitas para aquecer no refeitório, que contava com apenas um forno de micro ondas para todos os funcionários da UPA. As pessoas se acotovelavam para fazer suas refeições! O tempo de uma hora para refeição é válido para quando a empresa oferece a alimentação pronta e quente! Como não fornecem, o tempo deveria ser de duas horas para que o funcionário possa inclusive sair das instalações e alimentar se num restaurante das imediações! Fato é que chegamos a receber dois pacotinhos de bolachas e um copo de água mineral a título de refeição que deveria ser consumida rapidamente e que depois voltássemos a trabalhar! A chefia apenas cobrava e contava com a ignorância dos direitos trabalhistas por parte dos funcionários ou a submissão destes em virtude de perderem seus empregos!

9) Você acredita que tenha sido demitido por conta de seus questionamentos. Isso quer dizer que há prática de assédio moral na unidade?

Assédio moral não digo, por ser no pouco tempo, mas há uma atitude deliberada de conseguir mais por menos sem levar em consideração os direitos dos outros à condições de trabalho justas e do direito das pessoas de serem atendidas por profissionais capacitados, treinados e motivados a atender a população condignamente!

10) Quais outras deficiências e problemas da UPA impedem o atendimento de qualidade aos munícipes?

A verdade é que a maioria dos atendimentos da UPAS ou PSs são de baixa complexidade e com pouca ou nenhuma urgência! Estes atendimentos deveriam ser feitos em nível ambulatorial, com consultas agendadas para no máximo três dias após início dos sintomas. O que ocorre no Brasil é que há poucos médicos trabalhando em Unidades de Básicas de Saúde ou Unidades de Saúde da Família, de modo que o tempo para marcar a consulta e ser atendido é normalmente grande e a população prefere ir ao PS porque acredita que lá será atendida melhor e mais rápido nas UBSS! Daí a sobrecarga dos serviços e dos funcionários na atenção emergencial! Foi por isso, entre outras razões, que foi instituído a classificação de risco segundo a gravidade do caso, sendo que pacientes selecionados conforme a gravidade dos seus sintomas e sinais são prioridade para o atendimento de emergência. Assim, tenta se evitar que pessoas graves demorem para ser atendidas e morram enquanto a equipe atende pacientes sem gravidade na frente de todos!

O modelo de atendimento de saúde em atenção primária baseado em hospitais e serviços de emergência é obsoleto, pouco eficaz, caro e injusto. Não há nenhum país com saúde pública de qualidade superior em que a maioria da população seja atendida em emergências! O certo seria a ampliação das UBS e do número de médicos na atenção primária ambulatorial para reverter a cultura do povo da busca de atendimento de saúde de doenças não urgentes nas unidades de pronto atendimento que não foram criadas para dar seguimento e atenção a patologias crônicas e sem gravidade! A missão de orientar e tratar pacientes e prevenir doenças é das unidades ambulatoriais! Em parte é devido ao desvio de função que ocorre hoje nas UPAs, que profissionais e pacientes estão cada vez mais insatisfeitos com os Serviços de Emergência no Brasil! O diagnóstico está feito! Vamos encarar o problema e seguir o tratamento com a melhoria dos serviços tanto em quantidade como em qualidade ou vamos permanecer doentes e insatisfeitos para sempre!

Abaixo o comentário que o médico havia feito no site do Ataque aos Cofres Públicos após noticiarmos que o Ministério Público do Estado vai investigar denúncias de irregularidades na UPA.

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No dia da inauguração da UPA Central de Santos, em 15 de janeiro deste ano, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) e os demais apoiadores de seu governo estavam bastante entusiasmados. Repetiam nos discursos do evento que contou até com a presença do ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB), que Santos estava dando um salto de qualidade ao inovar na modalidade de gestão de unidades municipais. Afinal, a nova UPA seria gerida pela Organização Social (OS) Fundação do ABC.

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O Ataque aos Cofres Públicos e um grupo de servidores públicos de Santos protestaram durante o evento e nos dias anteriores, denunciando os incontáveis problemas e irregularidades que constam na ficha desta OS. A prefeitura ignorou, assim como ignorou os protestos contra a Lei das OSs, votada sem qualquer discussão com a população, de forma antidemocrática, no apagar das luzes de 2013, graças a fidelidade canina dos vereadores governistas.

Na época perguntamos:R$ 19,2 milhões por ano sairão dos cofres públicos para empresários da saúde cuidarem dos santistas. A que custo?

Cadê o salto de qualidade senhor Prefeito? Cadê o salto de qualidade senhores vereadores aliados?

Não há e nem haverá! O que há foi o que o Diário do Litoral publica nesta quinta-feira (5/5): denúncias de irregularidades na contratação de funcionários e queixas de mau atendimento, agora investigadas pelo Ministério Público.

A quem interessa esta situação?

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