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26/02/2018     nenhum comentário

Terceirização da Orquestra de Santos: a sinfonia do absurdo

Prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) responde pela “regência” de mais um retrocesso na administração pública

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Institucionalizar a gambiarra e abrir espaço para o improviso em uma área artística que não combina com o amadorismo. Este é o novo projeto do Governo de Santos para a Orquestra Sinfônica Municipal (OSMS). O setor está prestes a ser entregue para uma organização da sociedade civil (OSC).

A queda acelerada na qualidade do trabalho, já alvo de gradativo desmonte ao longo dos últimos anos, será uma consequência, caso o processo não seja barrado. Mas não a única. Os músicos que fazem parte da Orquestra temem algo ainda pior: o fim de um patrimônio cultural conquistado há 24 anos, por meio de lei.

A extinção de sinfônicas tem ocorrido em outras cidades que terceirizaram o setor, seja via organizações sociais (OSs) ou outras entidades, como as próprias OSCs ou Oscips. E não só isso. Muita corrupção e desvio de dinheiro público são descobertos anos depois da entrada das ditas organizações filantrópicas (detalhes no quadro abaixo).

Em resumo, a intenção do prefeito Paulo Alexandre Barbosa é passar a contratar os músicos apenas como pessoas jurídicas, ou seja, sem concurso público e sem a estabilidade prevista na lei municipal que criou da Orquestra.

Na prática, isso já vinha ocorrendo, já que apenas 9 dos 41 músicos que hoje compõem a sinfônica são estatutários. Os demais são remunerados em sistema de cachê, sem qualquer garantia trabalhista. Os governos das últimas duas décadas se recusaram a realizar concursos para substituir os servidores que saíram da Cidade ou aposentaram.

Com a mudança para o novo sistema, a Prefeitura institucionalizará e aprofundará de vez a precarização. A ideia da Secretaria de Cultura é firmar uma parceria ou termo de fomento com uma entidade que, por sua vez, terá a competência de contratar os profissionais da maneira que quiser.

Quando falamos em OSs, OSCs oscips e afins, estamos falando, na verdade, de empresas em busca de lucro. Claro que pagar salários decentes para músicos eruditos não será um objetivo da futura gestora.

Por sua vez, a alta rotatividade e a redução de interessados em integrar o corpo municipal fornecerão argumentos mais do que convenientes para o governo de plantão justificar, num futuro não tão distante, o fim da sinfônica.

“A gente acompanhou o que aconteceu nas orquestras de São Bernardo, São Caetano, São José dos Campos e também com a Banda Sinfônica de São Paulo. Foram extintas em pouco tempo. Tanto as que que foram concebidas desde o princípio por este sistema precário de contratação, quanto as que passaram pela transição”, alerta Lina Maria de Noronha, que toca oboé na sinfônica santista.

Isso sem falar nos casos de corrupção e desvios de verba em várias orquestras da capital. “Vimos nos jornais as notícias de escândalos envolvendo as entidades que entraram em orquestras de São Paulo, tanto em âmbito estadual quanto municipal”.

Na tentativa de traduzir melhor a questão, o músico Ulisses Nicolai faz uma comparação com o esporte mais popular do Brasil.

“Um time de futebol precisa de um certo número de jogadores treinando e jogando sempre juntos para terem entrosamento e qualidade em campo. Com uma orquestra é a mesma coisa. O conjunto tem de ser estável para desenvolver um bom trabalho. Como fazer isso terceirizando e precarizando as contratações?”, pergunta.

O violinista projeta os questionamentos para o futuro. “Com o fim da orquestra, que espaço as novas gerações de músicos clássicos terão para atuar na Cidade? Onde poderão exercer suas habilidades? Ainda haverá quem se inspire a seguir essa carreira? Desenvolver música clássica é como plantar tâmaras. Quem semeia sabe que só colherá em cerca de 100 anos. Não faz só visando o hoje. Santos corre o risco de jogar tudo o que foi semeado até agora no lixo”.

O colega de ofício, Adonai de Freitas, complementa. “Contratando com cachês ou via entidades, não se consegue ter um repertório firmado. Existe uma maquiagem pra população achar que Santos tem uma orquestra. Integrantes fixos, concursados e em quantidade é o que realmente garante qualidade. Sem isso, não há garantia de recursos, o número de ensaios e concertos vai diminuindo e a orquestra vai se esvaziando. No Theatro São Pedro vimos isso. Veio a OS, teve desvios, outros problemas, e a orquestra foi caindo. A Jazz Sinfônica está periclitando. A Banda Sinfônica de SP acabou, embora finjam que não. Em São José dos Campos a orquestra também foi extinta”, pontua o violinista.

Para alertar a população e pressionar o governo a promover concursos públicos de músicos em Santos, o grupo iniciou o movimento OSMS Viva. Além de assinaturas para um abaixo-assinado contra a terceirização da orquestra, o grupo criou uma página no Facebook e passou a ensaiar com camisetas pretas, denunciando o desmonte do setor.

A terceirização e o desmonte das Orquestras:

>>GOVERNO DO ESTADO

Um esquema ocorrido em 2012, durante o processo de terceirização de três orquestras (a do Theatro São Pedro, a da Jazz Sinfônica e da Banda Sinfônica), veio à tona apenas em março de 2017. Em meio à denúncias envolvendo a OS Instituto Pensarte, o secretário de Cultura do Estado, José Roberto Sadek, foi demitido. O Tribunal de Justiça chegou a suspender os contratos. As denúncias envolvem supostas contratações sem concorrência e o favorecimento de empresas ligadas à OS. Estima-se um prejuízo de R$ 600 mil. O contrato com a OS foi suspenso, mas ainda em 2017, os músicos da Banda Sinfônica de São Paulo foram demitidos. Após 30 anos de história, o conjunto foi extinto.

 

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O Governo Alckmin insistiu no modelo de gestão e colocou outra entidade: a OS Santa Marcelina, ficha suja em outros contratos com o poder público. O Tribunal de Contas do Estado divulgou, em maio de 2017, que faria uma auditoria nas contas da nova entidade. “São tantas as irregularidades verificadas em contratos que talvez reste pouca santidade na organização”, disse o conselheiro Roque Citadini, referindo-se à Santa Marcelina. E ainda: “a nova gestão que herdou o contrato já anunciou a destruição do Theatro São Pedro, interrompendo uma linha cultural que vem sendo obedecida nos últimos 15 anos”. Os resultados da auditoria ainda não foram divulgados.

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>>PREFEITURA DE SÃO PAULO

Em fevereiro de 2016, suspeitas de desvios de mais de R$ 15 milhões geraram a intervenção da Prefeitura na gestão do Theatro Municipal. Em foco a OS Instituto Brasileiro de Gestão Cultural (IBGC), que teve documentos apreendidos em sua sede e o afastamento de seu diretor, William Nacked. Segundo a Controladoria Geral do Município e o Ministério Público, o ex-diretor da Fundação Theatro Municipal, José Luiz Herencia, desviou verba pública em contratos superfaturados. Promotores apontam que ele teria recebido “propina” através das contas bancárias da mãe e da namorada. Para lavar o dinheiro, o ex-diretor teria usado empresas criadas especificamente para esse objetivo. Terrenos no Litoral Norte e carros de luxo podem ter sido adquiridos com dinheiro desviado.

Sete meses depois, a IBGC, ainda no comando, porém com um interventor nomeado pela Prefeitura, destituiu o maestro John Neschling. Ele também passou a ser investigado pelo Ministério Público e por uma CPI na Câmara. Uma das imputações versa sobre superfaturamento na produção de um espetáculo por um agente contratado pelo IBGC.

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Em março de 2017, a Justiça suspendeu os contratos com a organização social por indícios desvios e pagamentos ilícitos. O MP acusa o IBGC de ser, na verdade, uma organização de fachada, criada pelos envolvidos para desviar os recursos direcionados ao Theatro Municipal. Em 2014, o Ministério do Trabalho já havia autuado a OS por contratações de funcionários sem registros.

Para substituir a entidade investigada, outra OS foi contratada ano passado: o Instituto Odeon.

 

>>SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Em janeiro de 2017, o prefeito de São José dos Campos, Felício Ramuth (PSDB), resolveu extinguir a orquestra municipal, alegando ter áreas mais importantes para investir. O projeto já havia sido iniciado com uma OS. Mais de 45 pessoas ficaram desempregadas.

Segundo os músicos de Santos, orquestras de outras cidades sofrem processos semelhantes de desmonte. Exemplos em curso são as filarmônicas de São Bernardo e São Caetano do Sul.

 

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