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19/03/2018     nenhum comentário

Por dentro do descalabro do Complexo Hospitalar da Zona Noroeste

Entrevistamos a diretora assistencial do Sindserv, Cláudia Martins dos Santos, que há 12 anos acompanha de perto o desmonte no local

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Santos é uma das cidades mais ricas do Estado. Por aqui passam 30% da balança comercial do Brasil (importações e exportações). Chegamos a ser referência nacional em saúde pública. Nas últimas décadas, no entanto, muita coisa mudou.

Os serviços públicos foram perdendo investimento e qualidade. Não por conta de uma menor arrecadação. A receita de Santos se manteve crescente, apesar das crises. O que aconteceu foi a implantação de um projeto de governo que pode ser resumido numa única frase: Sucatear unidades para terceirizar para empresas.

Retrato do abandono, o Complexo Hospitalar da Zona Noroeste é um dos reflexos mais claros dessa política. O prédio, que inclui o Pronto Socorro, a Maternidade Silvério Fontes e o Hospital Arthur Domingues Pinto, está em estado deplorável. O mesmo pode-se dizer do quadro de funcionários deficitário.

Para entender melhor o grau de sucateamento dos serviços, conversamos com a auxiliar de enfermagem Claudia Maria Martins dos Santos, que há 12 anos enfrenta com os colegas condições extremamente adversas de trabalho. Claudia é servidora há 16 anos e atualmente é diretora assistencial do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santos (Sindserv).

O Sindicato foi diversas vezes no Complexo Hospitalar mostrar os problemas. A imprensa também. Mas há situações que só os funcionários sabem. Quais são e como geram riscos aos usuários e aos servidores?

Há muitos problemas no prédio e na infraestrutura. Um deles é o elevador, que está quebrado. Não tem como transferir os pacientes. Se ocorrer uma emergência é um problema. Pacientes que são operados no Centro Cirúrgico não têm como subir de maca. Se estão de repouso ou anestesiados, passam a noite, o dia todo em cima de uma maca dentro do centro cirúrgico que nem ventilação direito tem. Outro problema é a comida. O pessoal da nutrição sobe com peso pelas escadas para distribuir. O pessoal da rouparia também tem dificuldade para fazer a dispensação das roupas. Isso tudo causa riscos. Há meses está assim. Parece que não há interesse em resolver.

Gravamos imagens e vimos que a água invade quando chove. É sempre assim?

Cai água por todos os lados. Isso também traz muitos perigos. Tem muita infiltração. Já houve desabamentos pontuais. Depois eles arrumam passando gesso pra disfarçar, mas a infiltração continua. Tem infiltração até no Centro Cirúrgico. Já trabalhamos com o balde aparando a água das goteiras. Agora temos um enfermeiro responsável pelo setor. Quando chove ele interdita e aí ficamos com uma sala só pra atender na cirurgia. Isso é inadmissível. Temos um PS porta aberta para obstetrícia. Se chegar um parto de emergência, a gente tem que atender. Chove também na Central de Material que é um lugar que tem que ser extremamente limpo, porque guarda os materiais usados nas cirurgias.

A farmácia também está degradante. Falta medicamento e ainda chove pela luminária. O pessoal da rouparia também está numa situação difícil. O que mais falta aqui?

Faltam medicamentos para determinados tipos de emergência. Isso é relatado. A gente passa para frente esse tipo de problema. Os médicos também comunicam suas chefias. Parece que não tomam conhecimento. Não temos UTI para encaminhar os pacientes. Diz o sistema que temos uma UTI de referência, mas na verdade os pacientes acabam aguardando até 48 horas aqui dentro por uma vaga pela Central de Vagas. Isso é recorrente. Faltam seringas, material para intubação, material para anestesia geral, material para esterilização. Os campos cirúrgicos estão vindo sem condições de uso. Não tem material para trabalhar. Tiraram o laboratório da unidade. Temos que encaminhar os materiais para o Laboratório Central e ficamos na dependência de carro.

Com relação a equipamentos, quais outras carências?

Tivemos problema com autoclave, o que dificulta a esterilização de material para cirurgia. Tivemos que pedir favor para outros hospitais da região por meses. Na base da solidariedade entre os trabalhadores. Em determinado momento arranjaram uma empresa para esterilizar o material por fora. Uma empresa longe, com logística complicada, cobrando uma fortuna. Paliativo dos piores.

Falta gente no quadro do Hospital e do PS?

Sim. Por muitos anos trabalhamos com horas extras para complementar esse déficit de profissionais. Por contenção de despesas – que fazem nas costas dos funcionários – eles diminuíram essas horas extras. Agora estamos vivendo um caos em termos de recursos humanos. Isso está gerando uma queda na qualidade. Isso aqui ainda sobrevive pelos servidores, que gostam de trabalhar e tentam fazer funcionar. São verdadeiros heróis. Não está certo um funcionário ficar sozinho no Centro Cirúrgico no período da noite, com a desculpa de que a demanda é menor. As vezes fica uma enfermeira para o hospital inteiro. Fica muito sobrecarregada. Estamos tendo muito problema de qualidade no atendimento. O acompanhamento na amamentação está se perdendo. O bebê não está bem assistido. A mãe também não. Não tem controle de acesso. São riscos.

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Você acha que todo esse desmonte acontece por qual motivo? Por que o Governo abandonou esse local?

Esse sucateamento está vindo aos poucos, ao longo de anos. Vão deixando de lado, não arrumam o que é preciso. A gente só vem declinando. Tínhamos uma estrutura razoável. Agora faltam equipamentos adequados, está tudo muito velho. Perdemos funcionários habilitados, que não são repostos. Parece que é para desmontar mesmo o serviço. Não querem que funcione. As vezes muda a chefia e ela até tenta melhorar. Não consegue porque lá em cima não deixam. Desistem. Tínhamos um volume bom de cirurgias e não temos mais quase nada. Médicos pedem exoneração por falta de qualidade. Tínhamos 8, 9 especialidades. Hoje duas, três. Existe uma estrutura que poderia ser melhorada, poderia ter investimento. Mas o sistema acima de nós prefere pagar milhões para outras empresas administrarem o serviço que é nosso. Temos bons funcionários, com diplomas e especializações. A Prefeitura não tem plano de Carreira para eles. Prefere pagar para funcionários de fora. E pagam caro.

Você acha que tudo isso é proposital? É para entregar o serviço para iniciativa privada?  

Eu volto a perguntar: se tem esse dinheiro para pagar essas fortunas para essas empresas, por que este mesmo dinheiro não é utilizado no próprio serviço nosso? Isso caracteriza mesmo uma falta de interesse político em manter a saúde funcionando.

 

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