denuncie Denuncie! denuncie
O.S. em Santos NÃO!
Facebook
Youtube
24/09/2018     nenhum comentário

“Isso aqui é uma fábrica de morte”

Família de garoto Lucca, que faleceu na UPA terceirizada pela Prefeitura de Santos, acredita em negligência

upa-desabafosite

A frase acima é a maneira com que familiares de um paciente de apenas 13 anos, falecido no último dia 11, na UPA Central de Santos, classificam a unidade terceirizada pela Prefeitura.

Eles acusam a equipe que atendeu a criança de negligência. Na tarde do último dia 17, ao tentarem sem sucesso obter o prontuário médico de Lucca Fernandes Morroni, Glauco Morroni e Maria Luiza Morroni, respectivamente pai e tia do garoto, fizeram um desabafo emocionado no local.

O Ataque aos Cofres Públicos estava na unidade, por coincidência, documentando o desdobramento de outro paciente que estava passando mal sem atenção dos profissionais. Naquele momento, um outro munícipe clamava para que alguém acudisse o homem. Fraco e sem condições de andar, o rapaz vomitava dentro de uma lixeira, enquanto aguardava a consulta.

Depois de alguns minutos, uma enfermeira foi até o local e pediu para que o jovem que gritou por socorro falasse mais baixo. A repreensão indignou Maria Luiza. Ela havia acabado de receber a recusa da direção da UPA em fornecer os documentos médicos de seu sobrinho. Foi a gota d’água. Maria Luiza protestou contra a precariedade e o atendimento que classificou como desumano no local. Na sequência, Glauco, pai de Lucca, também alertou os que estavam na recepção.

“Isso aqui é uma fábrica de morte. Saiam daqui enquanto ainda dá. Eles mataram meu filho aqui. Ele poderia ter chances. Poderia ter sido operado e talvez estar aqui comigo hoje. Uma demora enorme para ter um exame de sangue. A sala de medicação um horror. Meu filho sofreu com dores e eu não pude tirar ele daqui”, gritou muito abalado.

Segundo Maria Luiza, a família perdeu o garoto 22 horas após darem entrada na unidade. Lucca estava com febre, queixas de muitas dores no corpo e na garganta. Ele chegou na UPA de ambulância. Era um caso de urgência, mas segundo os familiares não foi tratado como tal.

“Ele chegou na segunda-feira, dia 10, 10h30, de ambulância, pois já estava sem força pra andar. Foi para o setor de emergência. Quando ainda estávamos fazendo a ficha dele, o mandaram de volta para a recepção, na cadeira de rodas, com o meu irmão. Lá dentro o médico, sem tocar no meu sobrinho, sem examiná-lo, falou que não era um caso emergencial. Mandou passarmos pela triagem e pelo médico. Ficamos lá esperando, passamos por tudo isso. O médico que o examinou pediu exame de sangue e de urina. Só que a urina a gente já não conseguia mais colher porque ele não estava mais urinando”, disse Maria Luiza.

Segundo a tia, o exame de sangue foi colhido no momento em que o colocaram no soro, por volta de 13 horas. Mas o resultado demorou quase 8 horas. “Depois do soro com medicamento ele passou a piorar muito. Deram benzetacil, deram tramal, encheram meu sobrinho de remédio e aquilo só foi piorando. O exame de sangue foi retirado dele uma hora da tarde. Sabe que horas saiu o resultado? Oito e meia da noite, com tudo alterado”.

Por volta de 21h do dia 10, a família teria sido informada que o nome de Lucca estava sendo inserido na fila por vaga hospitalar, pois o caso necessitava de uma UTI o mais rápido possível.

“Meu sobrinho aguentou firme. Ficou a madrugada inteira na emergência. Meu irmão ficou com ele, mas não deixaram ele se comunicar com a gente aqui fora. Uma enfermeira ignorante maltratou a gente. Maltratou meu irmão enquanto o menino se contorcia de dor. Não fizeram nada. Ele foi à óbito 8 e meia da manhã do dia 11. A causa eles sequer sabem”, contou.

Maria Luiza agora enfrenta dificuldades para obter os documentos médicos. “Dizem que os papeis têm que ir para o secretário de Saúde responder, depois dizem que precisa do laudo do IML. Não fornecem. Nada do que fizermos trará ele de volta, mas não queremos que nenhuma outra criança passe por isso. Ele chegou na emergência, veio de ambulância porque não dava nem pra mexer nele. Acabou ficando numa cadeira de rodas ali num canto. O dia inteiro. Eu cheguei a estacionar meu carro aqui na frente pra deitar ele, porque não tinha onde deitar até sair o resultado do exame de sangue! A UPA Central é uma máquina de morte”.

Imagem mostra que Lucca não foi encaminhado à emergência

upa-cheia-10-09-2018_1luccasite

 

Uma imagem captada por acaso pelo Ataque aos Cofres Públicos comprova que mesmo com muitas dores, Lucca teve que aguardar os resultados de exames em uma situação inadequada.

Segundo a família, a criança ficou numa cadeira de rodas algumas horas, entre a manhã e a tarde do dia 10. Além disso, o exame teria sido colhido por volta de 13h e ficou pronto só cerca de 7 horas e meia depois. Lucca também precisava de uma ultrassonografia, exame indisponível na UPA, embora o serviço esteja previsto no plano de metas do contrato com a FUABC.

A imagem do menino na porta da UPA foi captada pelo Ataque entre 15 e 16 horas daquela segunda-feira, véspera do óbito. Nossa equipe estava no local, como faz semanalmente, para receber denúncias dos muitos problemas da unidade, ignorados pela Prefeitura e invisíveis para a maior parte da imprensa local.

Naquela data, gravamos vários depoimentos de usuários sobre as más condições do serviço. Entre os problemas apontados na ocasião, os destaques foram a demora para a consultas, número insuficiente de médicos, poucos funcionários e falta de resolutividade no serviço.

Também documentamos muitas queixas de que a sala de repouso e a ala de emergência estavam lotadas, com pacientes aguardando até 10 dias por uma transferência para algum hospital da região.

A Prefeitura terceirizou a gestão da UPA Central para a organização social (OS) Fundação do ABC. Recentemente, a entidade privada alvo de muitos inquéritos e processos judiciais, bem como reprovação de contas no Tribunal de Contas do Estado, foi beneficiada por um aditamento contratual. Passou a receber R$ 52 mil a mais por mês. Por ano, a FUABC vinha recebendo R$ 21 milhões.

O prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) garantiu que a mudança de gestão seria exemplo de humanização e eficiência. Prometeu que melhoraria o atendimento em comparação ao antigo PS Central, anexo à Santa Casa. A realidade e os usuários do novo serviço desmentem o discurso. O modelo será adotado nas duas futuras UPAs previstas para substituir os PSs da Zona Leste e da Zona Noroeste. Quantas vidas mais serão colocadas em risco?

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *