Em crise, São Vicente vai gastar R$ 12 milhões com OS na saúde
ABBC foi a OS escolhida para executar serviços de faturamento e capacitação no antigo Crei, o Hospital Municipal de São Vicente que vive em greve por falta de pagamento a médicos e funcionários.
Um dos maiores absurdos jurídicos no campo das administrações públicas foi a criação das chamadas Organizações Sociais (OSs), entidades privadas utilizadas para a privatização e terceirização das políticas de saúde, cultura, assistência social e educação.
Elas foram inventadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e copiadas por governadores e prefeitos neoliberais-gerenciais.
O intuito dos políticos adeptos das OSs é simples: burlar concursos públicos, burlar licitações e repassar a gestão de unidades e programas para entidades privadas que não precisam realizar concurso público, licitação ou prestar contas detalhadas do uso do dinheiro público que recebem. Tudo isso gastando muito mais e sem fiscalização.
Em São Vicente, os prefeitos de plantão destes últimos 10 anos não fugiram à regra. Temos hoje na saúde um claro exemplo desta maneira de governar.
Mesmo diante de uma grave crise financeira, a Prefeitura de São Vicente contratou uma Organização Social para a execução de serviços no Hospital Municipal, o antigo Crei.
A parceria com a Associação Brasileira de Beneficência Comunitária (ABBC) prevê atuação no setor de faturamento e na capacitação de servidores da unidade. O valor do contrato é de R$ 12 milhões por ano – o que corresponde a R$ 1 milhão por mês.
Perguntamos para a Prefeitura quais serviços justificariam um contrato tão alto. Não obtivemos resposta.
Segundo informado ao Jornal Diário do Litoral, em matéria do último dia 9 de junho, a OS foi contratada para executar “ações e atividades específicas nos eixos técnico-administrativos nas unidades de Urgência e Emergência do município”. Seis entidades apresentaram propostas e a ABBC, que tem sede no município de Bragança Paulista, venceu a concorrência.
Ainda de acordo com a publicação, a ABBC atuará na área de faturamento ‘de forma a otimizar o setor daquela unidade’.
Vale lembrar que o Hospital Municipal é vítima de constantes paralisações de médicos e demais profissionais de saúde por falta de pagamentos de salários e horas extras. O que justificaria a Prefeitura a gastar mais R$ 1 milhão por mês com uma OS quando falta dinheiro para pagar o básico?
MAIS GASTOS
Há gastos com a OS anteriores ao contrato firmado. Desde março o executivo vicentino faz pagamentos à ABBC. Conforme relatórios de despesas registrados no site da Prefeitura, de março a julho a entidade já recebeu R$ 4.750.000,00.
Os valores estão detalhados de forma genérica, como “empenho referente à contratação de serviço especializado em gerenciamento e execução de ações de forma a garantirmos a atenção dos pacientes da rede DAHUE”.
O Ataque aos Cofres Públicos perguntou quais serviços exatamente explicam as transferências de recursos à ABBC e por qual razão os valores são tão altos. Também não houve retorno.
No entanto, conforme denúncia de um vereador vicentino, a ABBC é responsável pelo PS do Parque das Bandeiras. Em vídeo publicado na última quarta (3), o vereador critica a ausência de médicos no plantão da noite anterior. “Desde o início de janeiro quando, a referida empresa foi contatada, a situação (da saúde) só tem piorado, lembrando que os pagamentos estão em dia, mas mesmo assim ela não consegue cumprir o acordado”.
Veja no quadro:
ABBC tem histórico conturbado
Em algumas das cidades onde já atuou ou atua, a ABBC ostenta um passado repleto de suspeitas estampadas nos noticiários.
Em Itatiba, por exemplo, a OS responde ação judicial por irregularidades. O Ministério Público pediu o bloqueio de bens do prefeito, João Fattori (PSDB), em uma ação civil pública que visa garantir que mais de R$ 39 milhões sejam devolvidos aos cofres públicos.
A acusação, noticiada por vários jornais e sites, versa sobre direcionamento na escolha da entidade para administração de uma UPA, terceirização e quarteirização ilegal de mão de obra e ausência de comprovação de capacidade técnica.
Em Bragança, o TCE-SP aponta falta de transparência do contrato firmado com a entidade na área da saúde.
Já em Ribeirão Pires, o jornal Diário do Grande ABC publicou reportagem, em 2012, que liga o presidente de outra OS – a OSSPUB, a irregularidades. Edison Dias Júnior, segundo o jornal, teria comprado um carro de luxo com dinheiro público.
Na ocasião, ele teria utilizado R$ 20 mil que deveriam ser destinados para o pagamento de médicos e deu como entrada em um Toyota Corolla modelo 2011/2012, cujo valor total é R$ 72 mil. A OSSPUB gerenciava o Hospital e Maternidade São Lucas e as oito residências terapêuticas de Ribeirão. Depois do escândalo, o contrato foi encerrado e a entidade fechada.
Ainda conforme o jornal, Edson então criou outras OSs e continuou a atuar normalmente em prefeituras do interior. Uma delas é a ABBC.
OSs lucram com o seu dinheiro
Esses são só alguns exemplos do que significa a política de terceirização e quarteirização camuflada pelos nomes “convênio”, “termo de parceria”, “contrato de gestão”.
Na prática, onde há empresas disfarçadas de entidades atuando, há atravessadores em busca de lucro. E para haver lucro é preciso reduzir ou maquiar custos, diminuindo a transparência na utilização dos recursos e também a qualidade dos serviços.
Infelizmente, nada disso é levado em consideração pelos prefeitos, secretários de saúde e governadores. Eles terceirizam para se eximir de responsabilidades e para burlar a lei de responsabilidade fiscal, fugindo da realização de concursos públicos.
Esta também será a lógica para a abertura do Hospital dos Estivadores, em Santos. O equipamento será entregue a uma Organização Social que agirá como qualquer empresa em busca de lucro, quarteirizando mão de obra e colocando o bem estar dos pacientes em segundo plano.